“Cheguei a escutar que
jamais seria aprovada porque teria um filho”
Publicado
em 11/05/2018 - 16:42 Lorena PachecoConcursos
Promotora vence preconceitos e prova que
maternidade não é impedimento, mas sim estímulo para alcançar sonhos
A
maternidade pode ser uma benção para as mulheres, mas nem sempre é vista assim
pela sociedade. O fato de ser mãe, ainda mais com filhos pequenos, é encarado
com preconceito pelo mercado de trabalho. No serviço público não é diferente.
Além de existir concursos que não aceitam mulheres ou que restringem sua
participação, existem editais que não aceitam candidatos com filhos. A luta
diária para se provar capaz de trabalhar e ser mãe é uma realidade de muitas.
Às vésperas do Dia das Mães, o Papo de Concurseiro dá voz a uma dessas
mulheres, Maria Fernanda Balsalobre, que sonhava em ser promotora, mas foi
desacreditada por muitos quando engravidou do primeiro filho. O que eles não
contavam é que sua determinação e força viriam de onde eles menos esperavam.
Confira abaixo o depoimento dela:
“Decidi, logo depois de me formar
no curso de direito, que seria promotora de Justiça. Sempre gostei de direito
constitucional e me fascinava aquela instituição cuja atribuição era ser a
grande guardiã da Constituição Federal e dos direitos e garantias fundamentais.
Entendi que era exatamente aquilo que queria fazer por toda a vida. Orgulhosa
do meu sonho e cheia de coragem para concretizá-lo, comecei a estudar para
concursos públicos da área, e logo percebi que o caminho não seria tão fácil
quanto eu pensava.
Fui uma
aluna mediana na faculdade, então a ideia de ter que saber tudo de todas as
matérias me assustava bastante, já que em relação a muitas matérias a minha
sensação era a de que eu não sabia absolutamente nada. Sequer sabia por onde
começar os estudos e o planejamento.
Entendi
rapidamente que o que eu tentava fazer outras pessoas já haviam feito e de
forma fantástica. Passei então a conversar com diversos primeiros colocados dos
mais variados concursos, para entender como fizeram, e pedia orientações e
dicas. Sabendo exatamente como eles haviam se preparado, eu pouparia muitos
erros na minha preparação.
Passei
pouco mais de seis meses estudando, com o apoio financeiro de minha família.
Depois desse período, comecei a trabalhar em uma assessoria jurídica, e tive,
pela primeira vez, que conciliar estudos, trabalho e pós graduação.
Partindo
da minha própria pesquisa sobre métodos de estudo e concursos, aliada à
reflexão sobre meus erros e acertos (e dos amigos próximos) e orientações de
aprovados bem classificados, cheguei a um método de estudo que me permitiu
ótimos resultados em pouco tempo. Após pouco tempo trabalhando na assessoria jurídica,
fui aprovada, entre os 10 primeiros colocados, no concurso para analista do
Ministério Público do Estado de São Paulo. Assumi o cargo e continuava
trabalhando e estudando, sempre com o meu grande sonho à vista.
Foi então
que, aos 26 anos, em meio à preparação para o concurso de ingresso ao
Ministério Público, engravidei do Fefê. Para minha grande surpresa, notei
que muitas pessoas passaram a me olhar com ar de pena e cheguei a escutar,
inclusive de familiares, que jamais seria aprovada agora que teria um filho.
Ouvi que “deveria me contentar com o cargo de analista, que já era muito bom
para quem tinha um filho”. Infelizmente, acreditei que seria impossível. Parei
de estudar durante a gravidez, vendo cada vez mais aquele sonho, que já estava
tão perto, se distanciar.
Contudo, quando
Felipe nasceu e me olhou com aqueles olhinhos tão doces, eu logo entendi que eu
e minha pequena dupla poderíamos chegar exatamente aonde quiséssemos. Tinha
como analista um horário de trabalho que me permitia ficar com o filhote a
manhã inteira. E, à noite, quando voltava do trabalho e ele dormia, eu
estudava. Foi assim por muitos meses, todos os dias. Ele dormia. Eu estudava.
Fefê
nasceu em outubro de 2011. Em 2012 prestei o concurso para o ingresso no
Ministério Público. Durante as diversas fases ouvi, tantas vezes, que jamais
conseguiria, já que “a carreira não via com bons olhos a mulher que já tinha
filhos”. Decidi que usaria todo esse desestímulo dos outros para me motivar, e
assim foi. À véspera da prova oral, um professor me disse (sem que eu
perguntasse) que minha aprovação seria quase impossível, pois “mulher que tem
filhos não se dedica à carreira”. Mas, como a vida também é feita de boas
surpresas, encontrei uma Banca Examinadora composta por profissionais da mais
alta cultura, inteligência, decência e sensibilidade.
Maria Fernanda, no dia da posse no cargo de
promotora, com o filho Felipe, no colo (Foto: Arquivo pessoal)
Fui
aprovada em segundo lugar no concurso de ingresso ao Ministério Público.
Durante a minha posse, minha pequena dupla, que havia aprendido a andar havia
pouco tempo, saiu do colo do meu pai e foi até o local em que eu estava, na
primeira fila do salão, e permaneceu no meu colo durante toda a cerimônia. Nada
mais justo.
Posso
dizer que a receita para a aprovação é só uma: estratégia, motivação e método
de estudo. Além disso, é preciso aprender a se interessar pelo que está
estudando. E ter calma, entendendo que é apenas um caminho, que a aprovação
virá, e todo o esforço terá valido a pena.
Hoje vejo
que a maternidade, ao contrário do que ouvi tantas vezes durante a minha
preparação, muito me ajudou. Fez com que eu amadurecesse profundamente e me
tornou mais focada, segura e confiante. Se eu consigo criar um ser humano, o
que eu não consigo fazer? Também no exercício da minha profissão, sinto que a maternidade me traz
uma atuação madura, responsável, sensível e humana.
Aprendi,
com alegria, que as carreiras públicas hoje são absolutamente plurais, e já
deixaram para trás os preconceitos em razão das condições pessoais dos
concursandos. Pode ser mãe, pode ter tatuagem, pode ser surfista, pode ser
sedentário, pode ser pai, pode ser solteiro, pode ser extrovertida, pode ser
tímido etc.
Aprendi,
também, que todos enfrentamos grandes dificuldades, mas que a coisa mais linda
da vida é ter coragem de lutar por um sonho. Se há espaço para sonhar, é
possível realizar.
Após a
aprovação, passei a ajudar amigas e amigos na preparação para as provas,
ensinando o meu método inteligente de estudo, assim como me ensinaram quando
precisei. Hoje, além me dedicar muito à carreira, cuidar dos filhos, da família
e fazer esporte, passei a ajudar também os amigos virtuais, dando dicas e
orientações para o estudo. Espero, de coração, que todos alcancem o grande
sonho. Só não vale desistir.“
Maria
Fernanda Balsalobre Pinto
Promotora de Justiça – MPSP
Promotora de Justiça – MPSP
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