A Baleia azul e os nossos adolescentes: considerações aos pais e professores
Adriana de Melo Ramos
Danila Di Pietro Zambianco
Lívia Mª Ferreira da Silva
Soraia S. Campos
Thais C. L. Bozza[1]
Nos últimos dias o GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral
- UNESP/UNICAMP – SP) recebeu inúmeras mensagens de professores,
gestores e pais, preocupados com a repercussão de um jogo chamado
“Baleia Azul” (Blue Whale). O jogo, que viralizou
nas redes sociais e na mídia nas últimas semanas, propõe 50 desafios
macabros aos adolescentes, que vão desde tirar fotos assistindo a filmes
de terror, automutilar-se, fotografar-se em lugares perigosos até, na
etapa final, cometer suicídio. Nas últimas semanas,
só no YouTube, são milhares de vídeos sobre o jogo. Há links de
convites para as pessoas entrarem em dezenas de grupos fechados sobre o
assunto, no WhatsApp e no Facebook, em vários idiomas, inclusive
português. O que se sabe é que o jogo Baleia Azul teve
origem nas redes sociais da Rússia, espalhou-se pelo mundo, chegando ao
Brasil causando bastante transtorno.
Alguns atribuem a grande repercussão do jogo ao momento em que uma série
produzida e exibida pelo Netflix também viralizou entre os jovens, se
trata da série 13
Reasons Why (“Os 13 porquês”) que retrata os momentos finais de
uma jovem suicida. A diferença é que enquanto a série foi produzida com o
apoio de especialistas para tratar de um assunto sensível, e o faz por
meio de uma representação simbólica, afinal
é um vídeo; o jogo estimula os seus participantes a agirem contra si
próprios e tem em seus criadores pessoas anônimas e mal-intencionadas.
O desafio da Baleia Azul não é o primeiro jogo com apelos letais que
virou moda entre os adolescentes. Tivemos anteriormente no Brasil, o
Jogo da Asfixia, o Desafio do Sal e do Gelo, assim como o Jogo da Fada.
Todos eles estimulavam a tortura e o autoflagelo
em quem participasse da trama.
O fato que tem chamado a atenção de todos é a associação de alguns
suicídios entre os adolescentes ao desafio da Baleia Azul, porém, até o
momento, não há dados oficiais que relacionem diretamente mortes ao
jogo. Entretanto, o assunto reacendeu o debate sobre
a depressão infanto-juvenil e sobre o suicídio entre os jovens, que vem
aumentando seu percentual muito antes do jogo ficar “famoso”. Para a
Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é a principal causa de
doença e invalidez entre os adolescentes; enquanto
que a morte por armas, acidentes de trânsito e suicídio estão entre as
três principais causas de morte para essa faixa etária.
Mas antes de sairmos procurando culpados para o problema, cabe
perguntar-nos: por que adolescentes ficariam vulneráveis a esse tipo de
“jogo” ou “desafio”?
É sabido que uma das características comuns dos adolescentes é a
necessidade de pertencimento a grupos ou “tribos”. Nessa fase da vida, o
grupo de pares assume uma importância desmedida, distanciando-se
inclusive do contexto familiar. O grupo passa a atuar
como regulador dos comportamentos, levando seus membros a acatar certas
normas e regras que conduzem suas ações. E mais, os grupos aos quais os
jovens pertencem desempenham um papel importante na construção de sua
identidade, no que diz respeito às ideologias
e sistemas de valores. Ou seja, precisa do outro para entender a si
próprio, para construir-se. A estética e a aparência emergem nesse
contexto. O tipo de roupa, o corte de cabelo, os acessórios utilizados
são importantes para a manutenção do sentimento de
pertença a um determinado grupo. Ao adotar estilo característico, o
jovem acredita se distinguir dos adultos e de outras tribos, esperando
assim, ser reconhecido e aceito entre os iguais. Alguns estudiosos
apontam para uma crise de identidade na adolescência
que desencadeia o processo de identificações com pessoas, grupos e
ideologias, sendo essas identidades provisórias até que a crise em
questão seja resolvida e uma identidade própria, construída. O dilema
adolescente: “ser adulto e ainda não ser adulto” em
um momento de transformação corporal, escolha profissional, diante da
descoberta da sexualidade, tendo acesso às drogas lícitas e ilícitas,
certamente é um malabarismo de difícil equilíbrio.
Muitas vezes quando não encontram um grupo que lhes acolha e que queira
pertencer, ou que as pressões dessa fase da vida se sobreponham às
coisas boas, os adolescentes tendem a enxergar com dificuldade qual o
sentido da vida. Uma vida sem sentido é, portanto,
uma vida pouco significativa. A falta de sentido na vida para o jovem
pode ser motivo de não mais querer viver. O número de suicídios em
jovens está aumentando em todo o mundo e, na maioria dos casos, havia
algum tipo de transtorno mental, principalmente a
depressão. O suicídio possui causas psicopatológicas, mas também
sociais. Para alguns indivíduos a não integração à vida social, a
grupos, podem pressionar de tal forma que a depressão e a melancolia
tomam conta do sujeito, enxergando como a única solução
para o fim do sofrimento, dar cabo à própria vida.
O “jogo” Baleia Azul é apenas o pano de fundo para um cenário que revela
o aumento dos casos de suicídio entre jovens que se repete há anos.
Como já citado, jogos letais anteriores a esse existiram e outros
posteriores, certamente existirão. Não devemos ignorar
a existência destes jogos, mas sim considerar a questão proposta para
reflexão e lançar mão de ações que possam auxiliar nossos jovens a
enfrentarem com assertividade os desafios e perigos a que eles podem
estar expostos. Os adultos estão assustados e preocupados,
pois encontram dificuldade de entrar no universo dos adolescentes, de
se conectar, de estabelecer um diálogo assertivo e de perceber quando
algo não está indo bem. Não se deve banalizar ou julgar essa realidade,
com a crença de que estão querendo, apenas,
chamar a atenção. É importante refletir sobre a depressão, suas causas e
consequências, considerando esta uma doença, tratável. É importante um
olhar atento ao perceber sinais de mudança de comportamento dos
adolescentes e buscar estratégias de intervenção.
Instituições, como família e a escola, precisam estar atentas a algumas mudanças comportamentais, tais como[2]:
alterações significativas na personalidade e ou nos hábitos;
comportamento ansioso, deprimido ou agitado;
queda no rendimento escolar;
perda ou ganho repentino de peso;
mudança no padrão de sono;
tristeza, irritação e acessos de raiva combinados;
comentários autodepreciativos ou desesperançosos em relação ao futuro;
demonstração clara ou velada do desejo de pôr fim à vida;
desinteresse em realizar atividades que demonstrava prazer anteriormente;
vestir roupas que cubram o corpo, mesmo em dias quentes, na tentativa de esconder cortes e
machucados.
O principal canal de comunicação com os jovens deve ser o diálogo, a fim
de conscientizá-los a respeito das consequências de que essas práticas
nada têm de brincadeira, ou tampouco podem ser chamadas de inocentes.
Colocar-se à disposição para acolher e escutar,
sem julgar, considerando o que pensam e sentem é sem dúvida o caminho
recomendável. O controle e monitoramento por parte dos pais, assim como a
proibição de acesso a Internet, é uma missão, perdida com os jovens,
ainda mais considerando que o acesso à internet
é na maior parte das vezes por meio de dispositivos móveis. É
importante estabelecer conversas abertas e honestas sobre os sentimentos
dos jovens, dúvidas, angústias, desejos, frustrações. E, frente aos
sinais de sofrimento prolongado, isolamento e frases
sobre suicídio ou desespero (dizendo que não tem motivo para continuar
vivo, que não fará falta se morrer...), é importante buscar auxílio de
profissionais que possam realizar orientação adequada sobre o
tratamento.
É importante que a escola, além de se valer das mesmas recomendações
dadas à família, abra em seu currículo espaços sistemáticos para a
reflexão da convivência e dos valores, como a valorização da vida. Como
instituição que visa educar os alunos para uma sociedade
cada vez mais complexa, é válido incluir temáticas relevantes aos
jovens que aparecem na internet e nas redes sociais, problematizando-as e
promovendo reflexão crítica.
Educar em tempos pós-modernos, com tantas mudanças e problemas
complexos, é realmente desafiador. Cada dispositivo móvel ou computador
com acesso à internet é uma janela para o mundo, com interações
positivas e outras, perigosas. Mas se pretendemos formar jovens
para a autonomia moral e intelectual, além de construir relações de
respeito mútuo e confiança, incentivar ações de cuidado e generosidade,
espaços para a fala e a escuta como rodas de diálogo e mediação de
conflitos, precisamos cada vez mais nos preparar
e incorporar temáticas que estão presentes no universo online, como por
exemplo, os processos de manipulação e sedução ou as agressões
virtuais. Essa tarefa, responsabilidade de todos, é urgente e
necessária.
Quer saber mais? Acesse um vídeo e reportagens que abordam o tema de forma clara e didática:
https://www.youtube.com/watch?v=qKQQKWwKLTo
https://www.facebook.com/SafernetBR/posts/1317178101663414
https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1790/jogo-baleia-azul-o-que-a-escola-pode-fazer
[1] Integrantes do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Moral-UNESP/UNICAMP. Para mais informações acesse: www.gepem.org.
[2] Adaptado de:
http://www.fatosdesconhecidos.com.br/o-que-e-o-jogo-da-baleia-azul-que-esta-rodando-internet-e-o-que-ele-esta-fazendo-compessoas/